O Psicólogo é um profissional que necessita de olhar crítico para os acontecimentos, sobretudo quando estes impactam na vida daqueles que ele cuida. Com essa perspectiva preciso compartilhar algumas elucubrações.
Tenho observado com muita preocupação, a onda de violência direcionada a certos grupos de pessoas. Me emociona bastante depoimentos como de um professor (colega de profissão) afrodescendente a poucos dias hostilizado dentro de seu ambiente de trabalho.
Refletindo sobre a história do povo brasileiro e a miscigenação, que é característica de nossa população, me pergunto: o que mobiliza tamanho despautério? O que faz com que pessoas sejam julgadas como não merecedoras de respeito, enquanto seres humanos que são, apenas por conta de uma pele menos clara ou escura? De onde vem essa percepção de que pele branca é sinônimo de mais valor que a escura? O que está psiquicamente por trás de tanto ódio represado e que agora tenta se legitimar e aflora das mentes das pessoas por conta de discurso racista de pessoas públicas?
Outra questão que me inquieta: partindo do princípio de que racismo é crime no Brasil, por que declarações públicas de puro pré-conceito racial não estão sendo punidas com a Lei?
Fui buscar conhecer o que diz a Lei acerca do racismo. O que encontrei me deixou felizmente surpresa:
Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 88, Art.5, inc. XLII Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à segurança e a propriedade nos termos seguintes:
XLII- a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. A “Lei Caó”: Lei número: 7.716 que vem detalhar o que já está explicito e repudiado na nossa Constituição elenca 3 tipos de condutas consideradas como crime racial:
1. Impedir, negar ou recusar o acesso de alguém a: emprego, estabelecimentos comerciais, escolas, restaurantes, bares, estabelecimentos públicos, serviço em qualquer ramo das Forças Armadas;
2.Impedir ou obstar o casamento ou convivência familiar e social;
3.Praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, incluindo a utilização de meios de comunicação social (rádio, televisão, internet etc) ou publicação de qualquer natureza (livro, jornal, revista, folheto etc).
Me espanta saber que nossa sociedade, apesar de possuir essa maravilhosa constituição, aceita e até aplaude e reproduz, a fala de pessoas com acesso a mídia, chegando a comportar se de maneira a excluir e mal tratar seu semelhante alegando serem melhores enquanto seres humanos.
Uma das explicações para esses comportamentos, baseia se no fato de que o racismo no Brasil vai além de ser fortemente sustentado pelas características fenotípicas ou seja, traços e cor da pele próximas da afrodescendência.. O racismo no Brasil é social. Vem de nossa história com o período da escravidão e da resistência na época de nossas autoridades em promover o fim da escravatura. Fomos um dos últimos países a libertar os escravos e só o fizemos sob muitas pressões políticas e ameaças das nações dominantes da época e ao liberta-los não ofertamos para eles as mesmas condições ofertadas aos cidadãos livres dessa nação.
Contudo, a partir daí, a miscigenação ganha mais força e nosso povo passa a ser constituído pela mistura entre povos europeus, indígenas, afrodescendentes e depois por asiáticos.
Há uma amnésia coletiva assolando nossa sociedade que a faz esquecer o genótipo (genes) brasileiro miscigenado.
Portanto, não existe brasileiro branco sem que haja em seu gene descendência indígena, afrodescendente ou ambas. O mesmo raciocínio vale para pessoas de pele escura. O genótipo dessas pessoas pode carregar uma história de descendência mais branca do que ela imagina. O nosso fenótipo mostra apenas uma parte do que nós herdamos enquanto aparência, mas não representa nossa ancestralidade como um todo.
Somos uma nação sem fenótipo (aparência física) definido. O colorido de nossas peles faz de nós pessoas especiais, nem melhores e nem piores do que cidadãos de outras nações, porém a junção de diversas culturas embutidas em nosso sangue misto nos oferta nuances de possibilidades que deveriam nos levar ao topo do que podemos chamar de humanidade, no tocante a pluralidade que nos faz ricos em criatividade e expressão enquanto povo.
É necessário, que todas as pessoas saibam seus direitos enquanto cidadãos, para que não se permitam encurralar em suas casas vítimas do medo da impunidade daqueles que ferem tanto a Constituição quanto a humanidade de forma mais ampla e desconhecem ou negam sua própria origem de descendência plural.
Portanto, não se deixem intimidar: aos racistas,a Lei.
O respeito ao ser humano precisa estar acima de qualquer posicionamento excludente e ignorante.